29 de dezembro de 2013

UM ADEUS

O mês de dezembro sempre é pautado por mortes. E lágrimas inevitáveis. 
Ontem mesmo, 28, foi-se Sócrates. Como o filósofo, não veio para agradar. Manteve distância de tudo quanto não lhe interessava (que era quase tudo) e era econômico nos carinhos. Muitas vezes me arranhou e o faria mais se eu não descobrisse, em seu olhar fixo e profundo, a iminência do avanço. Eu o punia com a expulsão da cama e mais uns dois ou três dias de medo (meu).
Quando ele chegou, criei uma falsa expectativa de que pudesse ser como Hamlet, um outro gato que tive e que, esse sim, me amava. Mas Sócrates era de outra estirpe. E no fundo, era um pouco como eu, que amo sem gritar.
Verdade que era omisso, o meu bicho. Escondeu-se em situações de risco, e só aparecia muito depois, na maré baixa. Mas esteve comigo em momentos de comunicação zero com o mundo, em que passamos dias distraindo-nos um com o outro até o sol sumir. Ou na cama, esperando que a chuva desse trégua e pudéssemos buscar algum sinal de vida.
No mais, era a rotina. Olhávamo-nos, ele me pedia. Qualquer coisa, nada, às vezes. A minha atenção exclusiva, com certeza. E eu atendia ou não. Era muito ousado, esse Sócrates que povoou meus dias. Era lindo e o azul dos seus olhos está agora espalhado em todo o céu que o recebe, num paraíso de gatinhos, com muita água e comida, e sombra, e carinho no pescoço, revirando-se no espaço, as patas para cima, rolando, brincando entre nuvens. Bebendo água na mão de Deus.

...

10 comentários:

  1. Perdemos muito mais do que imaginamos, quando um amigo querido e leal como um Sócrates desses nos deixa.
    Obrigado pelo texto belo e triste como a vida.
    Beijo

    ResponderExcluir
  2. Helena, Sócrates já deixa saudades. Engraçado é que não me lembro dele na sua casa nos últimos tempos. Por onde ele andava?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. oi joel, ele tava comigo e nos ultimos meses, mais com a minha mãe, no grajaú! beijo

      Excluir
    2. passamos um barra e helena deixou ele pra ajudar a voltar com a vida pro lugar, esse era muito mais que um gato, amigo querido, perda sofrida! faz árte

      Excluir
  3. ai que tristeza... dezembro é o fim mesmo. o sócrates era amável comigo. lembro-me que uma vez cortei as unhas dele...

    ResponderExcluir
  4. socrates, é verdade que tinha medo de ti, como tenho de qualquer quatro patas, mas tu eras, apesar de arredio, gentil comigo, pois não me assustavas mais que meu próprio medo, desejo que encontres teu espaço aí no céu dos gatos.

    ResponderExcluir
  5. Sinto muito por sua perda Helena. Sei que bichos valem mais que pessoas. Sou dos cachorros, mas compreendo sua perda, força!

    ResponderExcluir
  6. Sócrates e Hamlet, quem diria, batizados pela Literatura e compartilhados na poesia de Helena Ortiz, plena de saudade e clamores de solidão.

    ResponderExcluir