31 de julho de 2013

PAPA BOM DE PAPO

O papa, ninguém pode negar, foi um sucesso, do ponto de vista midiático. Agradou a todos. Cumpriu, juntamente com a programação da Jornada Mundial da Juventude, a difícil missão de tentar recuperar a Igreja Católica aos olhos dos fiéis e até dos infiéis, graças a um discurso e uma atitude humanistas, mostrando que a histeria das forças de insegurança não tem razão de ser para quem não tem medo. Isso é raro, convenhamos. 
A juventude católica, pelo que pude ver, é incansável, um pouco estridente e, até onde eu sei, não usa drogas. Talvez seja um pouco histérica em sua alegria, grite demais, ache tudo bom demais. O excesso é sempre temerário.

O papa valorizou, com sua mansidão, a palavra. E também os silêncios, que são poderosos para unir o mundo. Parece que não é só uma boa pessoa, mas várias pessoas.  
O que falou sobre os carismáticos mostrou uma delas. Quando pôde expressar sua opinião de homem livre considerou que o movimento de renovação carismática "confundia celebrações litúrgicas com escola de samba". 
Agora, como chefe da Igreja, arrepende-se, é o que diz. A Igreja precisa de todos. 
O pior, o lamentável mesmo foi a posição sobre a legalização das drogas que é, atualmente, o nosso maior flagelo. Os governos não aceitam, não toleram, não querem soluções. Por alguma razão deve ser. Certamente não será a saúde pública. A Igreja toca a mesma música.
Apostando na repressão, o papa joga ao deus-dará milhares de jovens que nasceram na miséria. Abandonados pelos pais, expulsos de casa, nascidos em prostíbulos, seguidamente violentados, excluídos pela pobreza e pela cor, esses jovens não têm alegria. Eles existem apenas para engordar estatísticas de mortes precoces. A jornada desses jovens é deitar e acordar vivos. Disso o Papa deve saber com certeza porque na Argentina há miséria igual. A miséria lá é fria. E a polícia também é violenta. O frio, a cor e a pobreza são castigos? Infinitos são os caminhos do Senhor.
Aqui é a miséria é quente e a guerra grassa. 
Esses jovens brasileiros que saem da casa para a rua, da rua para o tráfico, do tráfico para a cadeia  e dai para a morte, esses jovens não são alegres. Nascem em lugares feios e sujos dos quais querem fugir. Eles não estudam, não viajam, não namoram. Eles pegam numa arma e vivem do que sabem até o fim, que é sempre breve. E tanto na favela como lá, bem atrás, está o quê? A industria bélica, os cartéis, a prostituição, os bancos, as gangs socialmente aceitas. 
Duvido que ele não saiba quem somos nós, e não conheça as nossas mazelas. Aqui existe uma guerra particular, alimentada pelo Estado. Uma guerra contra substâncias que não eram ilegais no Brasil, até que Getúlio Vargas, atendendo a acordos, etc. proibiu-as em 1932. Até então as drogas eram diversão das elites, principalmente nos puteiros de alta estirpe, com mulheres que vinham da Europa para atender a nobreza entediada, com saudade da Corte. Era o que faziam enquanto os escravos construíam o Rio de Janeiro. Pois essa escravidão não acabou, como não acabou a classe que a explora.
As tais janelas, por onde entra (ou sai) o movimento da juventude católica, para os pobres são janelas com grades desde que nascem.
O papa deve saber que a droga, que sempre existiu e sempre existirá, é o pretexto para a manutenção de máfias que usam os pobres como soldados, mas mesmo assim acredita que o modelo atual deva ser seguido. Logo o modelo considerado um fracasso por todos os estudiosos.
Em que pese a alegria que trouxe aos crentes, o Papa infelizmente, além de não estar bem informado sobre o assunto, mostrou que não tem o dom de ver além, de pensar o mundo  para o futuro. Aceitou os gays mas não compreendeu a importância, a necessidade premente, a única saída para o fim da guerra do Rio. Não compreendeu que a pacificação é um blefe, que a violência impera. Talvez, passado tudo isso, as repercussões levem-no a estudar melhor o assunto e ele aproveite, da próxima vez, para ouvir uma outra voz, que é a dos defensores dos direitos individuais, sem os quais não há liberdade, nem paz. 
Faça uma visita ao Uruguai e converse com o  presidente Pepe Mujica. Lá ele saberá o que lhe falta saber. Lá ele encontrará um homem que também abraçou a pobreza, mas sabe pensar o mundo como a casa da humanidade, e não como o seu cemitério. 

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5 comentários:

  1. Bravo!, Heleninha. Sua 'integrada marginalidade' me emociona. bj

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  2. Brilhante conclusão: o discurso de Pepe Mugica me surpreende por ser mais humanista e menos rancoroso, quando prega o "ser" acima do "ter" e que basta se contentar com o que se tem para ser feliz.

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  3. Desta vez você se superou, Helena. Brilhantes e indiscutíveis seus argumentos e observações.Amo você!

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  4. Ótimo artigo, Helena. Pepe além do Papa!
    Abraços, Delayne

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