31 de outubro de 2013

O ROTO E O ESTROPIADO

Pelo menos 649 pessoas já foram mortas pela polícia do Rio só este ano. Em maio houve 147 mortes, número recorde dos últimos dois anos, de acordo com os índices de criminalidade da Secretaria de Segurança do Rio. 



Quando soube que o Ministro da Justiça iria se reunir com os secretários do Rio e São Paulo e os representantes da polícia em geral para traçar estratégias ou o que isso signifique contra a ação dos "vândalos" nos recentes acontecimentos que sacodem o país, o pensamento que me veio foi o do título. 
O Ministro da Justiça, e nem falo na pessoa, mas no cargo, é o roto, do latim ruptu, o que se rompeu. No caso, o que se rompeu foi o emaranhado de leis, decretos, normas e, principalmente, interesses particulares que formam a teia burocrática graças a qual a Justiça não se concretiza. A demora, que se dá nos mais inverossímeis bolsões (e bolsos) do sistema, é elemento primordial para que ela não se cumpra. E justiça que tarda não é justiça, é injustiça, já dizia o velho Rui. No fio mais resistente da trama estão juízes, ministros, conselheiros, pastores, empresários, bispos, lobistas, livres pensadores para o crime e, naturalmente, os advogados.  É nessa subteia, ondulante, que se movimenta, lenta e camaleônica, a corrupção.

Os estropiados são os que, na banda mais suja do esquema, botam a cara pra bater, mas em compensação (sim, o bicho também rasteja por lá) têm tempo para pensar em negócios ilícitos sempre que se lhes apresenta oportunidade. Ao serem descobertos, passam para a milícia, que é a mesma coisa, só que ilegal. Isso significa que expulso da polícia e tendo "tomado gosto" pela vida de predador, não consegue mais sair do ramo. Extorquir e matar são práticas das quais não consegue mais se afastar. Um vício.
As UPPs vieram para ficar, dizem as autoridades. Ou vieram para garantir o avanço da Sky e a crença de que o pobre é a nova classe média? Ou vieram para matar mais de perto? Matar com "maior integração com a comunidade"? 
Li n´O Globo, o que sempre é suspeito, mas a ser verdade a declaração da Presidente de que "a barbárie de mascarados deva ser coibida por autoridades" penso que o topete não só subiu-lhe à cabeça como atacou o cérebro. Os tempos mudam, senhora presidente. Há alguns anos o regime não gostava de guerrilheiros. E as guerrilhas também mudam de forma. Qualquer jeito é jeito. Sempre há alguma fonte de revolta.
Às vezes essas coisas não podem ser definidas de início. O que as move é um sentimento comum, um foda-se, é tudo uma merda, não agüento mais, chega - comuns a todos, mas ainda mais na juventude, naqueles que nascem onde só conhece quem convive: a pobreza, a desesperança, a vida trabalhosa.
A mão arbitrária da polícia, o desdém da lei, o gasto fácil dos poderosos - tudo isso não tem fronteira na geografia do preconceito. Lembra Murilo Mendes: "Os pobres. Nós os fizemos assim".
Essa reunião, portanto, não dará em nada. A polícia, pelo que pude observar, tem medo. Não esperava, quem sabe, que um grupo de 50 jovens mal nutridos seja mais ousado do que um batalhão treinado e armado; que não saiba o que fazer em qualquer situação. Na dúvida, erra. Se informa, mente. Se atacado, corre. Se aborda, mata. 
O caso Amarildo é muito mais do que uma morte a mais. O caso veio mostrar que a polícia é refém de si mesma. Um homem apenas foi capaz de fazer calar 25 subordinados. Subordinados a quê? Ao arbítrio ou à lei?  De que teriam sido ameaçados pelo major Edson Santos?
Tantas perguntas. Desculpem. Eu só quero entender. 

(...)
Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(caixões de primeira e segunda classe).

Carlos Drummond de Andrade 

2 comentários:

  1. Vc tá cada vez melhor, Helena! Este artigo é lucidamente maravilhoso! Li tb os outros dois que seguem e nada ficam a dever ao 1º. Parabéns!
    Agilberto

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  2. Impressionante. Lia a gora mesmo a notícia sobre o que aconteceu na reunião. Já falam em tom de mudança da legislação em função de "garantir a segurança" das manifestações. O tom, de "pacifismo", deverá ser o mesmo da UPP. E, então, continuam todos sem questionar os motivos das manifestações.

    Wallace.

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